quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Parmênides

A primeira pergunta que me fizeram sobre filosofia foi exatamente para que serve a filosofia. Não tinha nenhuma resposta tão inútil quanto a pergunta para dar ao interlocutor, mas isso despertou-me a atenção num ponto muito sério que não é assim tão difícil de se encontrar, o desconhecimento e o preconceito com algumas matérias do conhecimento.
Ninguém nunca pergunta para que serve a matemática, ainda que não sejam tantos que conheçam matemática o suficiente para poder perguntar, essa grande maioria não sabe para que serve a matemática, mas supõem que sirva para alguma coisa. Teorema de Pitágoras, para que serve? Matriz e determinante, serve para quê? E os números complexos? E, no mais, toda a matemática que precisamos saber está na calculadora que usamos.
Então, o que você está aprendendo de filosofia? Grande pergunta! Saquei Parmênides: “o que é, é e o que não é, não é”. Precisa estudar para aprender isso? Falemos então de Parmênides.
Ouvi esse nome pela primeira vez no primeiro ano da graduação em filosofia, 2004, numa matéria chamada História da Filosofia Antiga, em que estudávamos Teeteto, um diálogo de Platão, sobre o conhecimento. Era engraçado Sócrates sacando do nada aquelas perguntas que ninguém sabia responder. “O que é o conhecimento?”. Com isso, o sábio filósofo colocava em saia justa todos os seus interlocutores, quando estes achavam que sabiam as coisas que eles achavam que sabiam. Fiquei vidrado nessa dialética e achava que ela era tudo. Mas tudo o mais ainda estava por vir. Mas foi interessante para perceber que havia muitas perguntas aparentemente simples que não fazíamos, talvez por acharmos simples demais essas perguntas, e isso era filosofar. Falo depois do Teeteto e da pergunta sobre o conhecimento. Foi aí que ouvi falar de Parmênides pela primeira vez, nesse primeiro ano do curso. E, é claro, um verdadeiro desfile de nomes ilustres e desconhecidos, em poucos meses de aula, passaram para meu caderno de anotações: Protágoras, Demócrito, Leucipo, Anaxímenes, Anaximandro, Tales, Pitágoras, Heráclito, Zenão, Xenófanes, Empédocles e outros.
O meu amigo do trabalho, voltemos a isso, ao ouvir uma expressão que se pretendia filosófica, “o que é, é e o que não é, não é”, relutou muito para aceitar e demorou um certo tempo para aceitar que a questão, dita por Parmênides há uns 500 anos antes de Cristo, era sim, e muito, filosófica. Mas eu o deixei curioso por um certo tempo, ele sempre repetia a frase, até que um dia se deu conta de que a questão não é mesmo assim tão complicada, mas que só os filósofos, com o olhar atento e os sentidos aguçados, é que fazem esse tipo de pergunta. Meu amigo estava tendo uma “aula” de filosofia e não percebia.
Quando Parmênides diz que o “que é, é”, está afirmando que o ser é, pode ser pensado e nomeado. E quando diz que o “que não é, não é” está dizendo que o não-ser não pode ser pensado e nem nomeado. Parmênides já lidava com o que depois foi chamado “ontologia”(1), ou o estudo do ser. Afirmava, lá naqueles tempos idos, o princípio da identidade (A é A) e o principio da não contradição (A não é B), dois pilares da lógica que ia se desenvolver alguns séculos depois.
Falaremos mais de Parmênides, quando falarmos de Heráclito e de outros pré-socráticos.



(1) segundo o aristotelismo, parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral; metafísica ontológica. No heideggerianismo, reflexão a respeito do sentido abrangente do ser, como aquilo que torna possível as múltiplas existências [Opõe-se à tradição metafísica que, em sua orientação teológica, teria transformado o ser em geral num mero ente com atributos divinos.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Primeiro Filosofeio

Não me basta tanger quatro blogs, invento agora mais um, enquanto penso em inventar mais outro. Pensava basicamente algumas coisas a respeito. Por que não colocar tudo o que quero em apenas um? Porque não quero. E pronto. Os dois que andava ensaiando fazer tomaram forma esses dias. Um demora ainda um pouco, pois vai ser depositário de umas tentativas de contos, crônicas e pequenas ou médias histórias, fictícias ou não, que são o que ainda escrevo pouco, além dos poemas e das poesias, e escrevo pouco porque não domino o estilo. O outro, este aqui, vai ser além de uma tentativa, uma necessidade que eu mesmo me impus de criar, um lugar onde colocar as reflexões sobre as leituras que tenho feito muito e que se perdem na minha desmemoriada memória. Leio filosofia e literatura, enfim, agora que estou livre da leitura quase que obrigatória da graduação e protelando alguma idéia para uma tese de mestrado.
Aqui, então, vou pensar tudo o que leio, tirar minhas conclusões e fazer os meus próprios comentários. Vou ser comentador de minhas leituras. E tem muita coisa por vir. Além dos livros da graduação, há outros que fui adquirindo nos sebos e livrarias ao longo do tempo, além das revistas, principalmente sobre filosofia, ou sobre ciência.
Há muito que fazer. As leituras vão se acumulando nos recônditos de minha mediana memória, e são muitos assuntos que quero poder tratar aqui. Mitologia, ciência, filosofia, literatura, fora a leitura de alguns ensaios em jornais. Gostaria de falar de cinema também, já que parece que vou ganhar uma televisão de um amigo e um aparelho de dvd de outro, único modo de ter estas coisas em casa, pois me recuso terminantemente em compra-las. Tentarei falar de arte e das grandes civilizações do passado.
Enfim, esse é o mais recente passeio que dei por minhas duas estantes, ávido de entabular uma leitura mais disciplinada e organizada de tudo que tenho por lá. A filosofia, é claro, não nego, é o carro-chefe dessa empreitada. Espero ser competente e digno.
E, já que é assim, o nome desse mais um outro humilde blog deverá mesmo que girar em torno da filosofia, de que afinal gosto até além da conta, mais até do que a filosofia merece.
No meio dessas elucubrações em torno do nome, corro ao dicionário, ainda que já tenha criado o neologismo que serve para nomear este.
Descubro que o termo “filosofice”, que eu uso muito, existe de fato, e significa qualidade ou tendência de quem filosofa ridiculamente, filosofia grotesca, ridícula. E encontro mais coisas. “Filosofastro”, aquele que, julgando-se filósofo, se engana em suas divagações, discorre sem acerto. E que existe o termo “filosofear”, que é o mesmo que filosofar, ou seja, meditar ou discorrer sobre questões e problemas filosóficos e outras coisas mais. Encontrei também o termo “filosofema” que, no aristotelismo, é a forma silogística que, ao contrário de outras modalidades como o epiquirema (1), ou o aporema (2), é apropriada para a demonstração de verdades filosóficas, é também qualquer enunciado ou discurso filosófico. E, por fim, “filosofismo”, que significa introdução de considerações filosóficas onde elas não têm cabimento, ou filosofia sem fundamento, falsa, de onde vem o termo “filosofista”, que é o que ou aquele que usa de filosofismo.
Assim, para filosofear um pouco, mesmo correndo o risco de ser tomado por um filosofastro, ou um filosofista, correndo o risco de cair no filosofismo ou na filosofice, resolvo inaugurar mais este meio de expressão para me ocupar o tempo e matar as horas que passam impiedosas, para, quem sabe atingir algum filosofema que preste, ou alguma coisa que o valha, enfim, exercícios que se prestam e podem prestar para manter a cabeça funcionando.
FILOSOFEIO
Foi este o nome que me veio. Corro o risco de alguns trocadilhos com partes da palavra, dando margem a algo como “filosofia do feio”, “filosofar feio” ou o que é mais próximo ainda, “filósofo feio”. Mas pouco importa. Talvez um neologismo tenha que vir mesmo com um certo manual de instruções. Assim, foi filosofando, ou filosofeando, este verbo filosofear, de onde se pode tirar eu filosofeio, no presente do indicativo, leva à conclusão de que não criei nenhum neologismo, porque a palavra já existe. Mas cabe ressaltar que, na decepção de não ter criado um neologismo no que se refere à palavra existente, atribuo à mesma, por minha própria conta e risco, um significado diferente do usual, um neologismo significante. Filosofeando eu fui passeando por tanta coisa que li, que me obriguei a ler, que tive mesmo que ler, em filosofia, mais as coisas que quis ler e li e as que não li mesmo querendo, as que sei que tenho que ler, foi que me surgiu a idéia de dar um nome bem característico a esse passeio, o qual, por ser um passeio pela filosofia, cumpre ser nada mais e nada menos justo do que se chamar “Filosofeio”.
Vou tentar, freqüentemente, dar por aqui por essas páginas, alguns filosofeios que sejam interessantes. E, de filosofeio em filosofeio, quem sabe dá até para aprender um pouco de filosofia.
Então, quando eu estiver por aqui, vai ser para fazer basicamente essas duas coisas. Uma é praticando na primeira pessoa o presente do indicativo do verbo filosofear. A outra é dar um “filosofeio” (como um passeio) por um tema ou outro tema da filosofia.



(1) Epiquirema: em Aristóteles (384-322 a.C.), raciocínio silogístico que, embora coerente em seu encadeamento interno, está fundado em premissas apenas prováveis, pois originadas em opiniões do senso comum

(2) Aporema: espécie de silogismo cuja característica principal é demonstrar a equivalência entre dois raciocínios contrários