Sempre
que se compara negativamente o ser humano com qualquer outra espécie
(e sempre que é em detrimento daquele e em benefício desta),
supõe-se que a evolução é que veio tornar o ser humano pior. Quer
dizer, a razão. O fato de sermos racionais, o que nos possibilita um
discernimento nem sempre desejável entre o bem e o mal, parece nos
tornar piores que os outros seres vivos, que vivem basicamente do
instinto e em conformidade com as leis da natureza.
Tanto
que, num outro tempo, uns filósofos sonharam com um suposto estado
de natureza, pelo qual o homem deve de ter passado, quando era bom e
saudável e vivia em harmonia com o mundo.
Particularmente
eu duvido de que tal estado tenha de fato existido. E mesmo que
possamos supor que sim, tenha existido, não vejo que importância
ele pode ter sido.
Aprendemos
e evoluímos com a experiência que se baseia em erro e acerto. E uma
vez aprendemos algo, nunca mais nos livramos disso.
Para
o bem da verdade, ainda que uma suposta verdade, a razão nos
proporciona este conhecimento de si mesmo, melhor dizendo, essa
percepção consciente de si mesmo como indivíduo, igual a todos nos
acidentes e único na essência. E nos perturba essa vivência que
temos desse ser que chamamos nós mesmos, oculto nas representações
arquetípicas e comuns no que celebramos como o ato de ser humano.
O
duro, que sempre é difícil de superar, é essa consciência de si
mesmo que nos põe como algo efêmero entre um fenômeno dito
nascimento e o seu oposto a que chamamos morte. E lá estamos
abandonados e sós, sem a lembrança de qualquer coisa antes e
qualquer coisa depois dessa nossa efemeridade. A razão, para nos
defender desse dilema, torna-se imaginação fecunda. É a partir daí
e por este motivo que inventamos o sobrenatural e o metafísico; e,
no meio disto tudo, algo além do humano, algo divino que nos rege,
vela e conforta.
Inventamos
coisa pior até: inventamos que somos mais importantes do que
realmente podemos ser. Dizendo de outro modo: inventamos que somos
importantes quando não somos tanto assim; inventamos uma importância
que não temos.
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